O prémio Nobel da economia de 2019 foi atribuído conjuntamente aos Professores Abjihit Banerjee e Esther Duflo (MIT, E.U.A.) e Michael Kremer (Harvard, E.U.A.), pelas suas contribuições para uma nova abordagem de combate à pobreza, respectivamente pela abordagem das Experiências Aleatórias Controladas (EAC), ou em inglês, Randomised Control Trials (RCT).
A abordagem das experiências aleatórias controladas foi importada inicialmente da medicina, como por exemplo se procede num teste de um novo medicamento: consideram-se dois grupos, grupo A (que toma o remédio durante dois anos), o grupo B (placebo, ou de controle, que não o toma) e avaliam-se os impactos. Ao fim de dois anos reverte-se, o grupo A passa a ser o de controle. e o B o de experimentação da droga. Assim, se podem avaliar os impactos do remédio/droga. Mas o que tem isto a ver com economia e métodos experimentais em economia, e concretamente na área do desenvolvimento?
Foi aqui que Michael Kremer, Abjihit Banerjee e Esther Duflo inovaram: o ovo de colombo, foi aplicar esta metodologia experimental, os ditos RCT (ou EAC) ás políticas económicas e programas de combate á pobreza, a uma escala micro. Exemplos, no Quénia, e depois na India, desenharam politicas de desenvolvimento á escala local, das quais depois se poderiam retirar conclusões mais globais. Por exemplo, educação (a presença de uma Balsakhi, explicadora complementar em sala de aula), ou a aplicação de redes mosquiteiras, ou a aplicação de remédios de desparatização. Esta técnica (RCT) em apenas duas décadas passou a dominar a área da micro do desenvolvimento. Permite quantificar impactos, ex-ante, ex-post, viéses de seleção, e econometricamente nem é muito trabalhosa, mas exige trabalho de campo, uma equipe dedicada, e um delineamento experimental dos grupos de politica e de controle (placebo).
As contribuições de Bannerjee e Duflo encontram-se já resumidas num livro Poor Economics, em que retratam a sua nova abordagem á pobreza, especialmente os RCTs- existe em português A Economia dos pobres, edição esgotada já há uns anos que os meus alunos entusiastas acabavam também por seguir. A novidade é, obviamente algo que Sen (Nobel 1998 da economia também para o desenvolvimento) já tinha entendido que a pobreza não é culpa dos individuos, mas da falta de capabilities, e que estas podem ser geradas por politicas ou projectos ousados, nomeadamente via RCTs.
Michael Kremer, grande ideólogo e pioneiro desta ideia do RCT, pois trabalhou inicialmente ideias de economia da saúde, lecionou um ano no Quénia, recebeu um McArthur Fellowship, é um criativo, acessível. Na sua lição cá em Évora, em Julho deste ano, revisitou de modo singelo a questão da convergência macroeconómica dos países (também questão de desenvolvimento, mais macro), mas de novo surpreendeu, retomou métodos antigos a novos dados e reequacionou tudo de novo. Kremer tem aliás uma teoria do desenvolvimento (O-ring theory) original só sua, que basicamente refere que as complementaridades estratégicas, são cruciais para o desenvolvimento, ou seja, se tivermos 4 indivíduos, 2 de alta produtividade, e 2 de baixa, mais vale juntar os 2 de alta e os 2 de baixa do que fazer duas equipes com um de alta e baixa de cada. Só por isso valer-lhe-ia um Nobel.
Resumindo: o Nobel da economia de 2019 é super-inovador: junta o combate à pobreza por um método inovador os tais RCTs, que permitem quantificar se certa política deve ser implementada ou não. Neste caso o enfoque é micro, as políticas agrícolas sustentáveis e de inovação de longo prazo são cruciais para toda a economia e, naturalmente, para os leitores mais assíduos deste blogue para a prática diária agrícola e, de igual modo, também para a ciência agronómica.
Aliás a leitura que vos desafio agora é a de Economia dos pobres de Banerjee e Duflo. No primeiro capitulo começam logo por dizer se olharmos para a pobreza à escala global (macro) nada fazemos, pois é aterradora, temos de dar o pequeno passo de a decompor em pequenos passos (politicas, projectos), pois só assim se resolve verdadeiramente o problema global da pobreza.
Em menos de 20 anos o Laboratório que Banerjee e Duflo criaram tornou-se uma referência incontornável no combate à pobreza. Assim a justiça de reconhecer que as suas politicas e contribuições têm tirado milhões da pobreza desde a India à África e outras partes do mundo, por onde os RCTs de disseminaram.

Miguel Rocha de Sousa, Economista do Desenvolvimento,
Universidade de Évora, Prof. Auxiliar.

Para saber mais destes desafios globais económicos não só agrícolas:
Press release sobre Nobel da Economia de 2019.
https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2019/press-release/
Press release popular e de divulgação
https://www.nobelprize.org/uploads/2019/10/popular-economicsciencesprize2019-2.pdf
Resumo cientifico detalhado (mais para economistas formais)
https://www.nobelprize.org/uploads/2019/10/advanced-economicsciencesprize2019.pdf
E já agora o Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab:
https://www.povertyactionlab.org/
E o livro em Português.
https://www.temasedebates.pt/produtos/ficha/a-economia-dos-pobres/12865294