Brexit com e sem acordo, Remain? Desafios, consequências e ameaças para o Reino Unido e para a UE- o foco na agricultura.

O tema do Brexit tem vindo a ser recorrente na comunicação social. Anteriormente neste blogue também já fiz pelo menos um post sobre esse assunto. Veja-se este link (9 Maio 2017)

Foquemo-nos então no Brexit, com e sem acordo, e no impacto nos agricultores do Reino Unido e também na repercussão que isso pode ter na UE.

Alguns factos. O Brexit é um dado adquirido?

Esta hipótese levou inclusive à demissão da Primeira Ministra Theresa May, e que empurrou Boris Jonhson para primeiro ministro em exercício, impopular, populista, demagógico.

Para o governo em exercício parece que sim, Brexit sem acordo.

Na semana passada a posição extremista de Boris Jonhson, levou inclusive à renúncia do seu irmão de ministro Jo Jonhson, que alegando, entre o sentido familiar, e a responsabilidade de Estado, preferia sair do governo em desacordo com o irmão.

No dia seguinte o impacto da decisão levou de igual a mais saídas do governo, tendo uma ministra anunciado a sua demissão através de um exclusivo de um jornal. Este procedimento altamente invulgar também nunca tinha ocorrido no Reino Unido.

Ainda ontem, 11 de Setembro de 2019, o Tribunal Constitucional Escocês declarou inconstitucional a saída da Escócia da UE sem acordo.

A data do Brexit sem acordo e, e pela qual Boris Jonhson argumenta que “no deal is a deal”, é a de 31 de Outubro de 2019. E o Reino Unido provavelmente vai a eleições, antes dessa data.

O Reino Unido não nomeou um Comissário Europeu, e não preencheu os lugares nos órgãos europeus.

O que está em causa?

Basicamente uma saída da UE sem acordo pode levar a perdas brutais para o sector agrícola para todo o Reino Unido. Por um lado, a Inglaterra, a Irlanda do Norte, e o remanescente do Reino Unido tem um sector primário, onde se inclui a agricultura, fortemente dependente da Política Agrícola Comum (PAC). Num dos artigos (ver artigo FT) que as receitas do sector agrícola do Reino Unido geravam cerca de 9 biliões de Libras, mas o sector agrícola recebia 3 biliões de Libras de apoio da PAC. Uma saída sem substituição da PAC agendada, será caótica para o sector primário. Os agricultores iriam à falência.

O mesmo artigo do FT refere que em Exmoor, na Inglaterra rural profunda, a noção de capital natural, cruzando a agronomia, agricultura, serviços turísticos e sustentabilidade foi aplicada com sucesso. A ideia é a de que a prática sustentável deve ser devolvida aos agricultores, e a decisão de que e quais apoios também deve passar a ser feita ao nível local. Algumas, grandes dificuldades, se se aplicar a ideia de devolver aos agricultores todo o poder decisório desvinculá-los todos do centro da UE, e mais ainda de Londres até poderá ser benéfico, mas como os harmonizar procedimentos e políticos e assegurar a accountability e justiça dos apoios ou falta deles?

No The Guardian, dois artigos recentes (veja-se Guardian 1 ; Guardian 2) reflectem que a mão de obra rural em Inglaterra é exclusivamente de Leste (romenos, búlgaros, moldavos). Ilustram com um exemplo, que numa exploração de frutos vermelhos, em dezenas de trabalhadores, apenas há um trabalhador inglês, de vinte anos recém-licenciado em história, num estágio de verão. Os jovens Brits, preferem naturalmente o bulício e a terra de oportunidades de uma Londres, no centro do mundo, mais bem paga, e com melhores oportunidades.

Com um Brexit sem acordo, as fronteiras fechar-se-ão à imigração da mão-de-obra de Leste da UE para o Reino Unido, uma das soluções apontadas será os Brits voltarem ao campo, mas isto é altamente improvável. Uma das soluções apontadas será a importação de mão-de-obra barata de África, e de certas zonas da Ásia. O que se afigura difícil, e o que para lideres populistas será mais demagógico ainda abrir mais a estas novas fronteiras.

Outra das questões prende-se com o mercado. O mercado agrícola do Reino Unido sempre foi a UE, com bens de elevada food safety (segurança alimentar, qualidade) e ao mesmo tempo em que asseguravam a sua food security (aprovisionamento). Estas duas valias podem vir a estar em risco: por um lado, o custo dos bens vai aumentar, a UE terá de impor tarifas aduaneiras à entrada de bens alimentares do UK, o que lhes despromove competitividade e lhes mirrará os mercados potenciais. Já há agricultores no em Inglaterra, por exemplo que trabalham a mesma terra com qualidade sustentável a 400 anos, que neste momento pararam todos os investimentos. Por outro lado, com o imbróglio das fronteiras face ao continente, entre Calais e Dover, os camiões, os barcos de aprovisionamento ficarão barrados, pondo em causa a food security inglesa.

Brexit no deal, Brexit with deal e Remain

A diferença entre saída com acordo (cenário com risco) e a saída sem acordo (cenário com incerteza). Teme-se o essencial: a incerteza!

A teoria diz-nos que quando há risco podemos equacionar cenários, atribuir probabilidades e agir conforme, com incerteza, não conseguimos atribuir probabilidades, e até eventualmente nem atribuir cenários.

Uma nota pessoal. O Reino Unido é um país civilizado, com um parlamento suspenso, com um actual líder populista. Podemos recentemente visitá-lo durante este tempo tenso pré-Brexit, e uma entrada de casal e de uma criança pela fronteira da UE já levou mais de 1h. Havia apenas um guichet aberto para mais de 150 pessoas com crianças. Os alemães protestavam, tal como todos os presentes. Imagine-se o que será pós-Brexit.

Há no entanto um elemento de esperança – o factor R: Remain, Resist, Revolt, a Londres urbana e central (muitos dos que não votaram por acharem óbvio o referendo?) tem muitos partidários ainda de não sair da UE.

Do ponto de vista de opinião pessoal considero um erro crucial a saída do Reino Unido da UE, um verdadeiro tiro no pé. A solução inglesa passa por uma aproximação ainda maior ao populismo Americano de Trump, que também não será sustentável a médio e longo prazo.

Isto porque a única solução para o Reino Unido será um acordo comercial com os Estados Unidos, mas isso será desastroso para a agricultura inglesa, pois serão varridos com produtos com standards completamente diferentes (a qualidade inferior – carne com hormonas, cereais transgénicos, entre outros).

Poderá mesmo resultar num isolamento a médio prazo, e na redução a uma potência de média dimensão, infelizmente sem qualquer relevância estratégica a longo prazo.

Miguel Rocha de Sousa – Economista, Universidade de Évora- Em missão no UK de 2 a 8 setembro 2019.

Para Saber Mais:

Guardian 1

https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/jul/09/farmer-no-deal-brexit-eu-agriculture-food-britain

Guardian 2

https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/mar/18/northern-irish-farmers-brexit-calamity-eu

The Independent

https://www.independent.co.uk/news/uk/politics/brexit-eu-agriculture-farms-fruit-picking-migrant-workers-labour-shortage-a8469806.html

FT

https://www.ft.com/content/cef81570-a591-11e8-926a-7342fe5e173f