Perceber o mundo agrícola no contexto português e europeu, passa necessariamente por perceber não só a realidade local, específica da sub-região onde nos inserimos, i.e. da realidade edafo-climática do local, mas de igual modo das condicionantes globais onde nos inserimos.

Um agricultor português não pode ignorar o que se passa, naturalmente em Portugal e na Europa, com as quotas ao leite, ao problema do set-aside, á renegociação da Política Agrícola Comum (PAC). Mas mais, o agricultor português tem de investir no agronegócio.

Temos de à partida distinguir dois tipos de agricultura, a de subsistência, e como claúsula de escape da pobreza. Nobre intuito, válido, que assegura a vida de muitos e a sua subsistência, e igualmente, o agricultor como empreendedor, i.e. empresário agrícola.

A moda do empreendedorismo pegou em todo o lado, há concursos de crowd sourcing, crowd funding, e deste modo também estes têm chegado a um dos sectores, que muitos por ignorância ou falta de espirito de curiosidade, tendem a considerar como a “lavoura”. Algo antiquado e, fora de moda.

De facto não é assim. Todas as grandes potências mundiais que exercem o seu soft power (ie o poder negocial económico em vez da guerra física – o dito hardpower) tendem a ter elevados índices de segurança e aprovisionamento alimentar. Tendem, de igual modo, a investir massivamente na agricultura, e a inovar consistentemente com elevadas taxas de Inovação e Desenvolvimento (I&D) no sector agrícola- veja-se a China, a Ìndia e o Brasil.

Um livro recente, que um de nós co-editou, (Buainain, de Sousa e Navarro, 2017) ilustra exatamente a importância da Agricultura, a sua interação com os fenómenos globais e como os países emergentes, entenda-se os famosos BRICAS, Brasil, Rússia, India, China e África do Sul se tornaram major players no jogo mundial agrícola.

Não se trata apenas de uma questão de tecnologia, trata-se também de uma questão de mercado interno de cada um deles (a dita escala), mas também de uma opção realista e de conhecimento estratégico. O Brasil em poucos anos tornou-se um major player na carne mundial, a par da carne Argentina; mas, países pequenos, como o Perú baseiam-se na excelência da sua culinária e exportam diferentes variedades de batatas, ou Gana investem na excelência dos seus produtos agrícolas. Os EUA estão claramente a perder terreno (a nível global) e também a nível agrícola- o espanto dos americanos quando perderam a liderança do mercado global da carne.

Os exemplos destes BRICS, emergentes, podem ser consultados em detalhe no livro em causa.

A principal conclusão é a de que se vivemos num mundo desigual, a Europa pode ficar cada vez mais para traz, com o agravamento do fosso das riquezas, os emergentes tenderão a crescer mais e melhor. As previsões da ONU dos multiplicadores demográficos para a Europa para 2025, 2050, 2075 e 2100, são assustadoras, uma população em declínio, envelhecida – será o único continente onde a população decairá, mas envelhecerá muito e rapidamente (Massimo-Livvi Bacci, 1989).

A inovação parte de uma população dinâmica, da presença de estratégias e da compreensão dos desafios societais. A “lavoura” não poderá ser opção, necessita-se de uma verdadeira estratégia agrícola nacional, europeia, compaginável com os desafios dos mercados emergentes. Não passará necessariamente pela PAC e pela subsidio dependência, mas por instituições credíveis fortes, uma população mais jovem (imigração) e inovação. Esses são os novos desafios societais da Europa e, também os nossos.

Miguel Rocha de Sousa, Economista.

Para saber mais destes desafios globais agrícolas:

https://rowman.com/ISBN/9781498542272/Globalization-and-Agriculture-Redefining-Unequal-Development