Como conciliar produção pecuária e gestão de recursos naturais? Ao longo dos tempos tem-se vindo a separar cada vez mais as duas realidades, considerando-se antagónica a relação entre pecuária e conservação da natureza, mas será obrigatoriamente assim?
De facto, a forma como se aborda esta relação permite retirar diferentes conclusões. Numa visão tradicional da questão, tem-se intensificado a produção animal em sistemas com grande consumo de recursos e mão-de-obra, ao mesmo tempo que se isolam as áreas naturais de conservação da natureza, por vezes também com custos elevados ao obrigar a uma gestão artificial que permita o tal isolamento.
No entanto, a análise da relação entre produção e conservação também pode ser feita com base não nas espécies silvestres ou domésticas, mas nas funções desempenhadas pelos organismos nos ecossistemas. De facto, tal já é praticado em diversos sistemas de produção na Europa. O montado, em particular, é um exemplo de um ecossistema onde coexistem produção e conservação da natureza e onde a intervenção humana é essencial. No entanto, existem outros sistemas integrados na Europa e podem ser um ponto de partida para explorar opções de aumentar ou gerir melhor a produção agro-pecuária noutras regiões do mundo.
Partindo do ponto de vista da aplicação dos princípios da agro-ecologia também à produção animal, existem duas abordagens interessantes que têm ido exploradas por diversos grupos de investigação. Por um lado, temos a análise da biodiversidade como um recurso produtivo para as explorações pecuárias, por outro temos a biodiversidade como produto da gestão dos sistemas pastorís.
Assim sendo, na primeira abordagem, tem-se verificado a utilidade de sistemas onde várias espécies animais coexistam, num paralelo com a diversificação de culturas aplicada em sistemas de agro-ecologia, combinando as suas diferentes formas de explorar a pastagem de forma a maximizar o seu uso. A existência de mais do que uma espécie pecuária na exploração permite aproveitar melhor a diversidade florística das pastagens, reduz a incidência de parasitas e permite ainda à exploração lidar melhor com flutuações de preços ou outras perturbações de origem económica.
No entanto, este tipo de abordagens implica um grau de conhecimento das populações animais e vegetais e suas interacções e uma capacidade de analisar estas relações de forma integrada. Segundo uma revisão de literatura realizada por investigadores do INRA, França (ver aqui), existem ainda poucos estudos sobre os efeitos na biodiversidade dos solos do corte mecânico da erva ou do seu consumo pelos animais na pastagem. Mais informação existe sobre os efeitos acima do solo, nas plantas e animais, desde os artrópodes aos mamíferos. Este tipo de conhecimentos é essencial para desenhar a diversidade vegetal que mais se adeque a cada combinação de espécies pecuárias, a espécies silvestres de aves e mamíferos e às populações de artrópodes que se possam constituir auxiliares.
Talvez a principal mudança esteja na forma de interpretar a diversidade, passando-se a valorizar as funções desempenhadas pelos organismos. O exemplo do montado ou das estepes cerealíferas, onde uma diversidade de plantas e animais selvagens coexistem, é uma forma conseguida de conservação da biodiversidade.
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