Há uma semana estive à conversa com uma enóloga do Dão que me descreveu o cenário atípico das vindimas deste ano: as altas temperaturas, tanto de dia como de noite parecem ter impedido a normal formação de açúcares nas uvas, levando a atrasos na maturação, o que foi obrigando a levar a vindima por passos de forma a esperar pela maturação.

O Verão quente que se viveu este ano vem lembrar-nos mais uma vez das alterações climáticas e de como é urgente para além do combate, a adaptação à realidade que já estamos a viver. Do outro lado do mundo, uma equipa de investigadores australianos publicou em 2015 um estudo sobre o efeito de temperaturas extremas na composição química das células dos bagos de uva. Sabendo que são estes os químicos que vão fazer parte dos vinhos que se produzem, vale a pena passar por um estudo de proteómica, para tentar entender o que se passa nesta vindima.

Nos ensaios laboratoriais foram utilizadas culturas de células de uvas da casta Cabernet Sauvignon. Estas foram expostas a quatro tratamentos diferentes de temperaturas extremas, tanto altas como baixas, de forma a estudar as diferentes proteínas que se formam a diferentes temperaturas. As células começaram por ser cultivadas a 26oC, para depois serem expostas durante 14h a temperaturas de 10, 18, 34 e 42oC, sendo o controlo mantido a 26oC. As análises subsequentes permitiram encontrar 2042 proteínas diferentes, sendo que 1003 proteínas foram encontradas em todos os cinco grupos de tratamento. No tratamento de frio extremo foram encontradas 53 proteínas específicas e no calor extremo 55. Em cada outro tratamento, existem proteínas específicas e também existem as que desaparecem em condições extremas: 79 proteínas não ocorreram nas células expostas a 42oC e 59 não ocorreram a 10oC. Outras 77 proteínas nunca ocorrem à temperatura base de 26oC.

O passo seguinte foi saber que proteínas eram estas. Nas temperaturas mais baixas foram encontradas proteínas envolvidas em modificações da parede celular e reguladores do metabolismo do carbono e do azoto. Nas células expostas a calor extremo, as proteínas que se formaram estão relacionadas com resistência choques térmicos e respostas complexas ao nível da conformação das próprias proteínas, levando à destruição daquelas danificadas pela temperatura.

Quanto ao metabolismo dos açúcares – provavelmente aquele que mais interessa a quem produz vinho – as diferentes temperaturas também influenciaram os processos metabólicos de degradação da sacarose em glucose e frutose, sendo usadas vias alternativas, dependendo da temperatura. De facto, os autores identificam os mecanismos de formação e degradação de açúcares como formas de proteger as células de agressões como temperaturas extremas. Poderá então ser possível que ocorra alguma degradação de forma a proteger dos efeitos do calor extremo?

No entanto, uma vez que o estudo ainda visa apenas identificar as proteínas, muito há para saber daqui para a frente, tal como a abundância de compostos regulados por estas proteínas e diferentes respostas a mais tratamentos térmicos. Por fim, não nos podemos esquecer que estas experiências foram realizadas em culturas de células em suspensão, o que isola estas células de outros factores associados a altas temperaturas, como défice hídrico e insolação elevada.

 

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