Durante séculos, os burros foram importantes animais de carga, que acompanharam alguns dos grandes e pequenos feitos da história. A industrialização e, mais tarde, a mecanização da agricultura levaram a que a população destes animais tenha sofrido uma grande redução ao longo do século XX, chegando a um ponto em esta espécie se encontra ameaçada de extinção na Europa.
Se a perda de valor económico é a razão do declínio da espécie, então a sua conservação de forma sustentável poderá passar pela busca de valorização dos produtos de origem asinina. Um dos produtos do burro mais famosos da história será talvez o leite de burra, ligado ao imaginário dos rituais de beleza de rainhas da Antiguidade. Mas também nessas épocas já o leite de burra era conhecido pelo seu uso terapêutico em crianças e idosos debilitados.
No presente, enquanto a comunidade médica se debate com o aumento de alergias e intolerâncias alimentares tanto em crianças como em adultos, surge a necessidade de encontrar alternativas ao leite de vaca, cujas proteínas são responsáveis pela maior parte das alergias alimentares em crianças com menos de um ano e num número significativo de crianças até aos três anos.
A maior parte da investigação científica sobre leite de burra tem sido realizada em Itália, na China e alguns países dos Balcãs. Na região da Toscânia foi recentemente instalada uma exploração experimental com 160 burras da raça Amiata. A exploração produz cerca de 9000L por ano, que é lá pasteurizado e embalado e, assim, vendido maioritariamente para ser consumido por crianças alérgicas ao leite de vaca.
O leite de burra tem um teor proteico muito semelhante ao do leite humano, sendo inferior ao do leite de vaca e outros ruminantes e causando menos pressão na função renal das crianças. Também o tipo de proteínas é mais semelhante ao humano. O leite de burra é muito rico em lactose, cuja degradação em galactose o torna agradável ao paladar. Os lípidos presentes neste leite são o que mais o distingue do leite humano que é seis vezes mais gordo. Em consequência, em ensaios de introdução de leite de burra em bebés com menos de seis meses, foi necessário adicionar triglicéridos e ácido oleico. Já na alimentação de adultos, este leite naturalmente magro tem vindo a despertar interesse para o tratamento da obesidade. Quanto ao aporte de vitamina D, também aqui se revela um alimento interessante.
As propriedades nutricionais do leite de burra tornam-no num alimento extremamente interessante como nutracêutico. Poderá este ser a salvação para a espécie?
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