Uma pesquisa no Google Scholar pelas expressões “wheat crispr cas9” fornece cerca de 10800 resultados. Se a busca usar “plants”, os resultados sobrem para 38300. Este é o impacto da descoberta de Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna, publicado num artigo da Science de 2012. Desde a descoberta das sequências CRISPR (Clustered regularly interspaced short palindromic repeats) e subsequente metodologia CRISPR-Cas9, que a biotecnologia sofreu uma revolução.

A história da descoberta destas sequências começou com Francisco Mojica, da Universidade de Alicante, que as descobriu nos anos 80, estudou e denominou em 2000. Mas foi Charpentier que descobriu a forma como as bactérias as usam para atacar vírus, ao fabricar moléculas de RNA capazes de reconhecer os genes dos vírus que as atacam. Este é o primeiro grande passo. Parte de uma equipa de especialistas em microbiologia, a cientista francesa estudava na altura a bactéria Streptococcus pyogenes, causadora da escarlatina, entre outras doenças.

O passo seguinte necessitou da entrada de Jennifer A. Doudna, que já na altura era uma especialista em RNA. A colaboração das duas permitiu entender que era possível usar estas moléculas de RNA para “atacar” qualquer sequência de DNA: viral, animal, vegetal…

Com a tecnologia CRISPR-Cas9, passou a ser possível um acesso muito mais preciso e expedito à sequência de DNA ou ao gene em estudo e assim “editar, modificar, regular e marcar loci de um grande leque de células e organismos” (Doudna & Charpentier, 2014). A precisão do método permite actualmente alterar base a base de DNA. Se algumas tecnologias levam décadas até se tornarem executáveis em laboratório, a custos comportáveis, esta tecnologia levou menos de uma década e ser adoptada de forma generalizada, dada a simplicidade e e o facto de não necessitar de grandes investimentos em maquinaria e materiais de laboratório.

A tecnologia tem permitido avanços no estudo da vida, tais como o básico estudo da função de cada gene. Tem também permitido avançar no tratamento de doenças hereditárias e no melhoramento de culturas. No entanto, tem também um lado sombrio, se mal aplicada, dado o seu enorme potencial. Em 2018, um cientista chinês afirmou ter modificado o genoma de duas crianças gémeas, gabando-se de ter criado os primeiros seres humanos geneticamente editados. Já em 2017, Doudna tinha sido autora do livro “A crack in creation”, onde expõe os perigos desta tecnologia.

Na área agronómica, o desenvolvimento de culturas geneticamente modificadas teve um enorme avanço, sendo que nos EUA estas culturas têm carta verde para prosseguir. Já na UE, sempre mais cautelosa, estes organismos são tratados como transgénicos, mesmo que não o sejam, o que causou algumas dúvidas em 2018, aquando da saída desta decisão, pois já estavam a ser realizados ensaios de campo de variedades modificadas CRISPR na Bélgica e no Reino Unido. No entanto, o desenvolvimento e estudo de culturas com recurso a CRISPR continua a bom ritmo, também no nosso país.

Saiba mais:

Artigo original da Science – https://science.sciencemag.org/content/337/6096/816.abstract

Artigo do NYTimes – https://www.nytimes.com/2020/10/07/science/nobel-prize-chemistry-crispr.html

Livro “A crack in creation” – https://books.google.pt/books/about/A_Crack_in_Creation.html?id=F8WlDAAAQBAJ&redir_esc=y