Hoje dia 9 de Maio celebra-se o dia da Europa. Relembremos um pouco da nossa história: A CEE nasceu em 1957 com o Tratado de Roma, depois de em 1951 se ter transferido o carvão e o aço para uma autoridade comum, com o fim de terminar com os conflitos bélicos na Europa, tendo sido criada para esse fim a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). O intuito deste texto é apenas, não de listar toda a história da CEE/UE, mas de relembrar que desde o início desta construção, que o objetivo foi sempre e será a paz e prosperidade dos povos na Europa – e isso é um bem comum, com retornos económicos e, naturalmente, para a própria atividade agrícola.

Dito isto, poderemos dizer que ao longo dos anos desde 1957 até ao presente, já lá vão 60 anos, apenas tivemos guerra na antiga Jugoslávia. No presente temos ainda a vaga de imigração dos refugiados da Síria e outras regiões de conflito. O contexto de guerra mudou das guerras tradicionais para as guerras não convencionais, os inúmeros atentados terroristas geraram pânico em Londres, Paris, Madrid, Estocolmo – o inimigo tornou-se mais fluido e de difícil de deteção. Isso obviamente tem implicações no orçamento de defesa dos países da UE, e também no crescimento económico dos países europeus e mundiais. A insegurança é má para as pessoas, logo para o investimento das empresas e para a economia em geral, e naturalmente para a agricultura e para a atividade económica em geral.

Há no entanto, pelo menos dois factores cruciais. Chamemos-lhe o efeito Brexit e o efeito Trump.

O efeito Brexit paradoxalmente pode vir a ser extremamente positivo para a UE. Em artigos do da Brotéria e da Internomics, de 2016 e mais recentemente no blogue da London School of Economics, Annette Bongardt e Francisco Torres, argumentam que a saída do Reino Unido, a longo prazo, será benéfica para a União, e mesmo para a zona euro. O argumento é simples: os ingleses, que desde 1973 entraram na CEE (à data, a atual UE), são os que, menos pertenças têm nas instituições europeias, não adotaram o euro nem Shengen. No fundo a situação foi caricaturada pela célebre série Yes, Prime Minister dos anos 70 e 80 da BBC. “Porque estamos na CEE?”- pergunta o Ministro. Responde, o adido do staff: “Porque precisamos de estar dentro.” Replica de novo, o ministro: “Mas porque estamos dentro se não acreditamos no projeto?”. Responde de novo o adido do staff: “É simples estamos dentro porque não podemos estar de fora, assim podemos fazer com que não avance”.

A realidade superou os mais pessimistas e também os otimistas, mas a verdade é que o Brexit, poderá fazer com que, com a saída do Reino Unido, a velocidade de integração dos demais se acelere.

Relembrando a agricultura e a Politica Agrícola Comum (PAC) e o papel do Reino Unido. Nos anos 70 e 80, na altura do governo da Primeira-Ministra Margaret Thatcher, quando a PAC estava no arranque, a negociação inicial foi pacífica, acordaram-se um conjunto de regras, de quotas, de apoios, de preços. Mas, para variar, já depois no final do processo negocial, a Sr-ª Thatcher, com a ameaça de bloquear todo o processo já decorrido, e argumentando que a Reino Unido era contribuinte liquido para a PAC, exigiu que parte do pagamento/transferência liquido fosse reembolsado. Esta vitória da Sr-ª Thatcher foi o chamado Tax rebate, e se, por um lado, foi vitória para o Reino Unido, por outro, tem desde sempre minado as negociações posteriores da PAC.

Com este simples exemplo, percebe-se que a saída do Reino Unido, que inicialmente poderá ter um efeito depressivo na economia europeia e mundial, a médio e longo prazo poderá eventualmente melhorar a integração agrícola e promover uma harmonização de práticas na PAC e em toda a UE. Evitando-se assim o que se poderia chamar de um excepcionalismo inglês.

O papel de Portugal face ao Reino Unido e, neste contexto de Brexit, também poderá ser importante. O Tratado de Methuen, estabelecido em 1703 entre Portugal e o Reino Unido estabeleceu a mais antiga aliança comercial europeia. Dentro deste ponto de vista com o Brexit, Portugal por via deste tratado de Methuen, e pelos laços que mantém com o Reino Unido, poderá servir de plataforma de entrada dos produtos ingleses na UE?

De novo a agricultura. Pense-se na forte ligação entre Portugal e Inglaterra no setor dos vinhos: basta pensar no vinho do Porto, no vinho da Madeira, sem pensar noutros. Se de facto o Brexit no início pode minar um pouco as relações económicas nesse sector, o vinho pode chegar mais caro aos consumidores ingleses, essa variação no final, dependendo da elasticidade procura-preço e da respetiva carga excedente (perda de eficiência) da tarifa/imposto poderá vir a gerar mais receitas agregadas no final. Isto porque, o vinho do Porto e da Madeira terão dificilmente substitutos.

Assim, Portugal, por via da AICEP, por via dos laços históricos ao Reino Unido com uma estratégia inteligente, pode vir a ser um país charneira de reentrada dos produtos ingleses na EU, e de expansão dos portugueses no Reino Unido.

Finalmente, o efeito Trump, basicamente chamar-lhe-ei o efeito da incerteza, da violação dos compromissos assumidos, do log-rolling (i.e. do ir empatando quando não se concorda), e de não se saber se se pode contar com os contratos assinados e firmados. Daí a incerteza, não conseguir atribuir probabilidades a cenários.

Apenas, um exemplo, o acordo comercial e de investimento entre os EUA e UE – TTIP- Transatlantic Trade and Investment Partnership – acabou por ser posto de lado pelo Presidente Trump. Esta medida foi gravosa. Estudos de modelos de equilíbrio geral, feitos pelo CEPR- Centre for Economic and Policy Research, Londres, em que se tenta ver o impacte de alterações tarifárias em todos os mercados, demonstravam que haveria ganhos para estes dois parceiros. Sabemos que estes ganhos de comércio criado são proporcionalmente maiores em países mais pequenos (i.e. em termos relativos), mas que em termos absolutos são maiores para as economias maiores. Deste modo, os sectores agrícolas europeus e o americano também tinham a ganhar com esta abertura comercial. Assim, este efeito Trump é claramente prejudicial à Europa, mas tem uma vantagem, faz com o que o Reino Unido, mesmo com Brexit tenha de negociar com a UE.

Assim, neste dia da Europa, celebremos a Paz europeia, e as instituições europeias, e o que apesar de tudo, com Brexit ou sem ele, nos traz de comum: uma comunidade de segurança e paz.

Miguel Rocha de Sousa, Economista, Professor da Universidade de Évora e investigador do CEFAGE-UE e do CICP-UE.

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