O livro recente de Jean Tirole, economista da informação e da teoria dos jogos, galardoado com o prémio Nobel da Economia de 2014, intitulado Economia do Bem Comum, é a primeira obra do autor sobre economia para o público em geral.

A obra divide-se em quatro grandes partes: Economia e Sociedade; O trabalho do investigador em economia; O quadro institucional da economia; e o Desafio industrial.

Tirole é um mestre dos mestres, tem mais de 180 artigos de investigação em teoria dos jogos e em economia de informação, para além de inúmeros manuais de teoria dos jogos e de regulação (7 manuais de referência). É um produto simultâneo da escola francesa, mas também do sistema americano, essencialmente do MIT- Massachussets Institute of Technology, em Boston. Criou também recentemente à luz do MIT, a Toulouse School of Economics (TSE), na sua França natal, onde recriou também um Instituto de Estudos Avançados Interdisciplinares de Toulouse (IAST), à imagem de Princeton.

Primeiro, é preciso perceber o que é a teoria dos jogos, onde se centram (quase) todas as contribuições de Tirole. Trata-se de um ramo do conhecimento económico e matemático nascido com John Von Neumann nos anos de 1920, aprimorado com o livro de Von Neumann e Morgenstern de 1944, A Theory of Games and Economic Behaviour e consolidado por John Nash em Princeton em 195º. Nash encontrou a célebre solução para jogos não cooperativos de soma não nula, o famoso equilíbrio de Nash.

Basicamente a teoria dos jogos modela o comportamento estratégico entre pelo menos dois agentes. O que tu fazes se eu fizer x? O que eu faço se tu fizeres y? O que tu fazes se eu tiver feito x e eu tu tiveres feito y? Podem ser empresas, animais, humanos, máquinas, ou simplesmente agentes, neste caso humanos.

Matematicamente parece complicado, mas é realmente acessível.

A genialidade de Jean Tirole regressou de novo e em força, pois ilustra ao público em geral tudo o que é economia. Parte do homo incitatus, ie do famoso paradoxo que a economia neoclássica apenas aborda o comportamento social com raiz económica nos incentivos.

Desmonta também esta grande “cabala” ao dizer que de facto, o homo oeconomicus, i.e. o sujeito da teoria económica, é um homo socialius. Isto é, o homem objeto da economia é também o mesmo sujeito da sociologia, da história e da política, sem nenhuma dúvida.

Constrói um novo desafio: o homo darwinus. Diz que, no fundo, nunca estudou economia evolucionista, e que o maior desafio que se coloca à economia moderna é a economia evolucionista – ou seja, a economia de raiz Darwinista, i.e. os agentes e processos económicos que sobrevivem são sempre os mais fortes, resultantes os da seleção natural, neste caso do mercado, e que daí sobrevivem.

Há, no entanto, algo que me surpreendeu e que é de extrema importância para a economia agrícola e agronomia. Tirole defende que nem só de mercado, nem só de estado vive o homem, mas mais do que uma visão rival, defende uma visão complementar e supletiva entre estado e mercado.

Isso é deveras interessante num génio francês americano, que combina o melhor de dois mundos: o mercado eficiente americano e, o interesse regulador e o Estado europeu, regulando quando necessário.

A economia industrial, que é um dos seus ramos de estudo mais interessantes, não é a economia das fábricas e dos fumos, mas sim, a economia da indústria, literalmente, a industrial economics, i.e. a economia dos sectores, com raiz no termo industry/sector em inglês. Trata-se assim de um ramo da economia, que paradoxalmente chamado industrial, estuda de facto todos os sectores, e tudo o que tenha a ver com regulação, intervenção, concorrência e informação, e neste caso a própria agricultura.

Deste modo, este livro, interessa não só a todos, mas, também e essencialmente aos agricultores e agrónomos deste mundo.

Agricultores de todo o mundo uni-vos! Não, no espirito em que esta frase foi usado anteriormente no século XIX, por Marx, mas sim: Uni-vos, lendo Jean Tirole!

Aprenderão da necessidade de regulação dos sectores, da regulação da concorrência. O sector do agro-negócio é dos mais concorrenciais, mas a I&D de agronomia é feita com poder de mercado das Bayers e das Monsantos. Há inovação na agronomia e, muita.

Há regulação e muita necessidade dela. Evidente, mas há que reconhecê-lo e aprender.

Há também nova esperança. Tirole reconhece também o papel das instituições, para além do mercado e do Estado, das empresas, das ONGs, das organizações profissionais, os sindicatos, o patronato.

A sua maior preocupação é sempre um fluxo de informação o mais eficiente e perfeito, sendo necessário um mercado descentralizado para o atingir, mas também um verdadeiro estado social justo e equitativo supletivo, num contexto de interação estratégica, i.e. de teoria dos jogos.

A pensar. Como? Quando? Porquê? Na atividade agrícola e agronómica. O que fazer? A nível local, regional, nacional, europeu e global?

Em tempos de Trumpismo, de Brexit, de ameaças globais, de alterações climáticas, é curioso como Tirole reconhece e recupera Darwin, mas regressa sempre às bases de toda a economia.

Será que nossa atividade agrícola resistiria a uma abordagem meramente darwinista, ou de outro modo de apenas de incentivos económicos? Ou será que a CAP, a CNA, as associações e as confederações agrícolas, e já agora também os decisores políticos e, essencialmente, os agentes em causa, os agricultores e os agrónomos também deviam pelo menos dar o benefício da dúvida e rasgar horizontes e ler: A Economia do Bem Comum, Jean Tirole.

A pensar. Fica aqui o desafio.

Miguel Rocha de Sousa, Economista.

Para saber mais sobre estes conceitos, não só agrícolas, o livro de Jean Tirole, A Economia do Bem Comum, ed Guerra e Paz, Maio de 2018:

https://www.guerraepaz.pt/inicio/458-economia-do-bem-comum.html

O comunicado Nobel 2014 da Academia sueca:

https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/2014/press-release/

A sua página da Repec com os 180 artigos e 7 livros técnicos: https://ideas.repec.org/e/pti33.html